Para o dia 8 de Março, não preparamos nada específico para o Dia das Mulheres, justamente porque a Tekoha é feita essencialmente por mulheres e honestamente, tivemos pouco foco em pensar numa “auto homenagem” ou parabenização pelas conquistas, ou sobre momentos de glória, luta e maravilhosidades que é ser mulher nos dias de hoje (e sempre) – notem que esta frase contém um pouco de ironia!
Além de nós, nossas clientes e parceiras são em esmagadora maioria, mulheres. Quem acessa nossas redes sociais, site e conteúdos, são de longe, em maioria, também mulheres.
No entanto, há algum tempo, internamente, temos refletido sobre nosso lugar enquanto mulheres que trabalham no campo de impacto socioambiental no Brasil. Mulheres em maioria brancas, que puderem cursar ensino superior, que nunca passaram fome ou tiveram dúvidas sobre se teríamos cama onde dormir. Temos refletido sobre nosso lugar como feministas enquanto facilitadoras do desenvolvimento de um setor no qual organizações sociais plurais são responsáveis por sustentar temas, lutas e soluções de problemas que muitas vezes não são nem nossos!
Bate uma pitadinha de culpa de ter uma miopia em acreditar que o movimento feminista sempre foi uníssino, tal qual acreditávamos no início das nossas carreiras, e que o campo do desenvolvimento (de impacto socioambiental) social também era. De que todos estavam motivados igualmente por mesmos objetivos: as mulheres, pela igualdade de direitos; no campo do desenvolvimento, pelo fim das injustiças.
Felizmente, percebemos que o universo não é uníssono e a pluralidade é a única constância. A dificuldade e o constante desafio é encontrar o equilíbrio nos territórios de luta e construir afetuosamente em movimento.
Em “E eu não sou uma Mulher? Mulheres negras e o feminismo”, bell hooks cita um discurso absurdamente atual feito em um congresso em 1892 por Anna Cooper, feminista, ativista da libertação negra.
“Permita que a declaração da mulher seja tão ampla no concreto quanto no abstrato.
Nós defendemos nossa posição em relação a solidariedade da humanidade, à unicidade da vida e à noção de que todos os favoritismos, seja por sexo, raça, país ou condição, não são naturais, são injustos. Se um elo da corrente estiver quebrado, a corrente está quebrada. Uma ponte não é mais forte do que sua parte mais fraca, e uma causa não tem mais valor do que seu elemento mais fraco. Menos ainda, uma causa das mulheres não pode condenar as fracas.
Queremos, então, como trabalhadoras pelo triunfo universal da justiça e dos direitos humanos, ir para casa depois deste congresso, exigindo nossa entrada, a de nossa raça, nosso sexo, nosso setor, não por meio de um portão, mas por uma grandiosa autoestrada para a humanidade.
A mulher negra sente que a causa da mulher é universal; e isso não enquanto a imagem de Deus, seja a da Ilha de Paros ou a de Ébano, for sagrada e inviolável; não enquanto raça, cor, sexo e condição forem vistos como acidentes e não como substância da vida; não até admitir-se que o título universal da humanidade para a vida, a liberdade e a busca da felicidade seja inalienável para todos; não até quando a luta da mulher não estiver ganha – não anda mulher branca, nem a da mulher negra, nem a da mulher vermelha, mas a causa de todos os homens e de todas as mulheres que tiverem ser contorcido silenciosamente sob um poderoso erro. Os erros da mulher estão, portanto, indissoluvelmente conectados com toda a miséria sem defesa, e a conquista de seus “direitos” significará o triunfo final de todo o bem sobre o poder, a supremacia das forças morais da razão e da justiça e do amor no governo das nações na terra.”
Nós não nascemos no período no qual escravizar pessoas foi encarado como algo natural, como a Anna Cooper. Mas nascemos numa época na qual ainda é encarado como natural que bebês morram de diarreia, ou que pessoas negras morram mais – e mais cedo – que pessoas brancas. Também ainda é encarado como natural – e no Brasil, surpreendentemente lícito, do ponto de vista jurídico, até poucos dias atrás – que um homem justifique matar uma mulher para defender a sua “honra”.
Anna Cooper, há mais de 100 anos, ainda tem razão: o tal movimento feminista, precisa partir de uma preocupação honesta e sincera sobre todas (e todos) que são vitimadas e oprimidas. Entendemos que sem isso, ele seria meramente o sequestro de um discurso para a perpetuação do staus-quo.
A bell hooks, então, nem se fala como ela tem razão! No mesmo livro, ela diz que o feminismo….
“é um compromisso para erradicar a ideologia de dominação que permeia a cultura ocidental em vários níveis – sexo, raça e classe social, para citar alguns – e um comprometimento de reorganizar a sociedade de maneira que o autodesenvolvimento das pessoas possa preceder o imperialismo, a expansão econômica e os desejos materiais!”
Que assim, seja, bell!
Que a gente junto contigo “comemore” 8 de março e todo santo dia queira para “todas as pessoas, mulheres e homens, a libertação dos padrões de papeis sociais, da dominação e da opressão sexistas”.
Seguimos juntas e comprometidas!