No dia 1º de julho de 2020 vimos uma mobilização nacional dos entregadores de aplicativos de compras, realizando uma greve geral que foi batizada de “Breque dos Apps”.
Em São Paulo e em várias outras cidades do Brasil, os entregadores seguiram se movimentando mesmo com o isolamento social por causa da epidemia do coronavírus. Esses trabalhadores não têm contrato formal de trabalho, ou proteção trabalhista e social. Tampouco têm a possibilidade de fazer home office ou teletrabalho, e se forem dispensados pelo “patrão” ou pararem totalmente suas atividades, pode significar que não terão dinheiro para comer no fim do mês.
Empresas que gerenciam os serviços dos aplicativos de entregas como a Rappi, iFood, James, Loggi, UberEats, Apptite – e tantos outros – oferecem para profissionais liberais, jovens, desempregados ou qualquer pessoa que tenha tempo disponível, acesso a uma bicicleta, a uma moto ou a um patinete e um celular com acesso a internet a oportunidade do uso de suas plataforma para trabalharem como entregadores. Seja como renda extra, ou como meio permanente de angariar renda extra informalmente.
Empreendedorismo das entregas: o disfarce de precarização do trabalho pouco qualificado
No discurso sobre esse tipo de trabalho, há de comum, em sua maioria, que tratam o oferecimento desta oportunidade de trabalho informal, como se fosse uma oportunidade para esses profissionais exercerem uma atividade empreendedora. “Empreendedores das entregas”.
A Tekoha não acredita isso seja uma forma de empreendedorismo. Entendemos que isso é uma oportunidade e uma falha de mercado que empreendedores de alto nível da área tecnologia (junto com investidores, controladores e idealizadores do modelo de negócio destes aplicativos) enxergaram e exploraram. Temos um mercado no qual há muita gente desempregada disposta a trabalhar muito, se arriscando muito e ganhando pouco, porque há poucas outras oportunidades de emprego, ou até mesmo de empreender.
Há um modelo de negócio onde, de um lado, há um comprador (o consumidor), de outro, um fornecedor (o restaurante, ou estabelecimento), e no meio, um intermediador (o aplicativo). E há o entregador, que sem ele, nenhuma dessas peças consegue entregar – literalmente – a mercadoria para ninguém e não faz esse modelo girar.
O entregador é uma peça fundamental na cadeia de valor deste negócio – ainda que sim, altamente substituível. É por isso que ele não é um empreendedor. Ele é uma peça entre o aplicativo, o estabelecimento e o comprador. Por mais que não haja um patrão estabelecido, isso não é empreender: isso é somente trabalhar em condições precárias, sem direitos, sem garantias e sem perspectivas de futuro. Isso não é ser um empreendedor das entregas
Quanto maior o risco, maior o ganho: premissa #1 do investimento liberal
“Quanto maior for o risco de um investimento, maior deverá ser o seu retorno esperado”. Essa é uma máxima usada no mercado financeiro, no mercado de capitais e também no mundo do empreendedorismo. Não se aplica muito ao “empreendedorismo das entregas” que os entregadores têm vivido. Curiosamente, durante a pandemia de coronavírus, quando se tornaram ainda mais essenciais, os entregadores viram os rendimentos caírem. Passaram a correr mais riscos, estando expostos na rua mais e viram suas rendas diminuírem.
Pesquisa on-line realizada pela Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista (Remir Trabalho), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mostra que 68,9% dos entregadores tiveram queda nos ganhos neste período. Antes, apenas 17% diziam ganhar em torno de um salário mínimo (R$ 1.045). Agora, são 34%. Por outro lado, caiu para 26,7% a proporção dos que afirmavam ganhar acima de dois salários mínimos. Antes da pandemia, eram mais da metade (51%).
E como não têm vínculo empregatício com as plataformas de delivery, os entregadores não têm um sindicato que os represente frente às mudanças repentinas dos ganhos.
Fonte: Rede Brasil Atual
Seria essa a espécie de relação risco retorno esperada para um empreendedor? Além disso, se os entregadores fossem os empreendedores das entregas, teriam a habilidade e a capacidade de alterar as regras do próprio negócio. A única regra que têm autonomia para alterar neste modelo de trabalho é a quantidade de horas que podem dedicar, nenhuma outra regra está ao alcance deles.
Os pedidos dos “empreendedores das entregas”?
Sem direito à quarentena e sujeitos à informalidade, os entregadores de aplicativos organizaram uma paralisação nacional no dia 1º de julho.
Os trabalhadores exigiram melhores condições de trabalho e a suspensão de uma prática que os aplicativos realizam como forma de punição a comportamentos entendidos como “indevidos”, que são bloqueios de recebimento de pedidos. Segundo os entregadores, os bloqueios são arbitrários e as regras alteradas frequentemente empresas como Rappi, Ifood, Loggi e UberEats.
Com o aumento da demanda de entrega por delivery, eles passaram a trabalhar mais horas. Custos com equipamentos e materiais de prevenção à contaminação pela covid-19 pesaram ainda mais no bolso dos trabalhadores informais.
Durante o Breque dos Apps os pedidos para os Apps eram o aumento do valor mínimo por entrega — que, segundo as plataformas é de, em média, cinco reais —, vale-refeição, seguro de vida, seguro acidente e de roubo, fim dos bloqueios por parte dos aplicativos e oferta de equipamentos de proteção, como máscaras e álcool em gel, que são essenciais para trabalhar com o mínimo de segurança durante a pandemia do novo coronavírus.
Fontes:
O que as empresas dizem?
A Rappi calcula aumento de cerca de 30% no número de pedidos na América Latina. Em reportagem veiculada pelo jornal O Extra, no Brasil, estima-se que, entre 20 de fevereiro e 16 de março, as instalações de apps de entregas (como iFood, UberEats e Rappi e outros) cresceram 24%, em relação ao mesmo período do ano passado.
O iFood e o Uber Eats não divulgam o aumento do faturamento, mas alegaram que apoiam seus entregadores. O iFood, diz ter criado um fundo de R$1 milhão para “os colaboradores” (aqui entendemos que é um eufemismo para entregadores) em quarentena. E também diz que iniciou um método de entregas sem contato físico.
A UberEats diz que vai prestar assistência financeira por até 14 dias seus entregadores que contraírem o COVID-19 ou que tiverem que ficar por quarentena se decretado por autoridades de saúde.
Fonte:
Fiquem ligados no nosso blog, acompanhem nossa série e entenda porquê os entregadores não podem ser considerados “empreendedores das entregas“. Acompanhe no próximo post