O entrevistado deste episódio foi o Ivan Vasconcelos, do ICMBio, que conta nesta conversa sobre os desafios de gerir as relações entre equipe do projeto e as pessoas envolvidas nos projetos. O ICMBio é uma autarquia em regime especial vinculada ao Ministério do Meio Ambiente e, em parceria com organizações da sociedade civil, colabora em projetos que visam a Conservação da Biodiversidade como os que visam a promoção da geração de renda de comunidades ribeirinhas.
Este é um episódio de uma série de casos gravados a partir dos desafios que gestores de projetos de negócios socioambientais brasileiros vivenciam nas suas instituições. Estes gestores compartilharam seus desafios na Jornada PQPS! discutindo suas Perguntas e Questionamentos sobre Projetos Socioambientais.
Estes casos foram desenvolvidos e gravados pela equipe da Rede Tekoha. Apoiou na produção dos podcasts a Aupa; na seleção dos casos a ponteAponte, e os recursos vieram da chamada Elos de Impacto realizada pelo ICE.
Transcrição do episódio
Apresentação
Rede Tekoha e Instituto de cidadania empresarial apresentam:
PQPS Perguntas e Questionamentos Sobre Projetos Socioambientais. Uma conversa aberta com quem trabalha com projetos no campo de desenvolvimento socioambiental.
Márcio
Bom dia, boa tarde, boa noite.
Seja muito bem-vinda, seja muito bem-vindo para a nossa conversa de hoje na jornada PQPS, Perguntas e Questionamentos sobre Projetos Socioambientais. Eu sou o Márcio Pires, falando pela Rede Tekoha, e esta conversa é parte de uma série de papos com quem atua na gestão de projetos socioambientais no Brasil neste ano tão desafiador que é 2020.
Vamos juntos mais uma vez, mergulhar nas vivências de quem faz acontecer o campo de desenvolvimento socioambiental, como é o caso do Ivan Vasconcelos do instituto Chico Mendes de conservação da biodiversidade o ICMbio que é uma autarquia em regime especial vinculada ao ministério do meio ambiente e integrada ao sistema nacional do meio ambiente. O Ivan faz parte da equipe de gestão de duas unidades de conservação federais. A floresta nacional do Amapá e o parque nacional montanhas do Tumucumaque. E ele traz para a nossa conversa de hoje um projeto de capacitação pro turismo de base comunitária na comunidade da FLONA, floresta nacional do Amapá. É uma população de ribeirinhos que já recebia turistas na região, mas queria melhorar a sua organização para aumentar a sua atividade. Projeto está em execução faz dois anos desde dezembro de 2018. Diga aí Ivan, tudo bem com você?
Ivan
Olá, tudo bem por aqui, um olá para todo mundo, para você e muito obrigado pela oportunidade.
Márcio
O prazer é todo nosso. Como eu falei o projeto já está em execução faz dois anos, então imagino que ele tenha muitas partes interessadas envolvidas. Ainda mais em se tratando de uma autarquia ligada a uma estrutura tão grande quanto Ministério do meio ambiente. Então conte para a gente Ivan quem são esses interessados? E como eles se envolvem no projeto?
Ivan
A gente tem essa atuação na região aqui no Amapá do Rio Araguari e tem uma comunidade que está ao longo deste Rio, então ela está relacionada a essa unidade de conservação da floresta nacional do Amapá. Então eles já tinham um trabalho de turismo bem pequeno, então algumas pessoas da comunidade já recebiam turistas, inclusive com contato com algumas agências de turismo, algumas operadoras que já levavam guias de turismo que levava pessoas lá. Então a gente tem esse trabalho com eles já há muitos anos, porque a unidade já está lá há muitos anos. E em conversa disseram que tinha interesse. O ICMBio tem construído um conhecimento, um arcabouço de conhecimento sobre turismo de base comunitária, que é aquele turismo que a comunidade que é a protagonista, ela que organiza da forma que ela melhor quiser. E a gente começou esse projeto. Então os principais interessados são a própria comunidade, então são pessoas da comunidade, mas além disso, então já participavam das reuniões e das oficinas, pessoas de empresas de turismo, guia de turismo e até pessoas de sindicatos que têm alguma relação com a comunidade. Então a comunidade tem várias parcerias e eles vão participando, então escola, ajuda a gente até o próprio Sebrae agora vai dar uma força grande para a gente. Então a gente vai tentando na verdade construir e ajudar eles também a construírem as redes de parceiros, que vão desde receber o turista e apresentar o serviço, mas também a comercialização, divulgação e passar por toda a cadeia do turismo. A gente tem trabalhado muito focado, pois essa comunidade está razoavelmente próxima da capital, no Amapá a maior parte da população está na capital e em outra cidade chamada Santana. Então estamos tentando fazer essa ligação entre a comunidade e as pessoas que têm interesse no ecoturismo na região da capital de Macapá.
Márcio
Quais são os conflitos que surgem da gestão de todas essas pessoas, de todas essas partes?
Ivan
A gente começa a ver, porque sempre que tem que tomar decisão e tem vários interesses ou interesses diferentes, a gente tem que lidar com essa ideia de conflito que basicamente é essa a ideia de que pessoas têm interesses diferentes em alguma coisa pode haver uma divergência de atuação. Então o principal nosso é a grande pergunta, é fortalecer a comunidade, então a comunidade sentia que queria trabalhar com aquilo, mas ela sentia também que não era bem daquele jeito que estava acontecendo que ela queria trabalhar. A gente vai lá e basicamente ajudamos a tomar essa decisão. E na hora de tomar a decisão aparecem visões diferentes, então temos que ajudá-los a encontrarem um ponto em comum, o que é melhor, o que funciona melhor para eles. Mas também estamos ajudando numa interlocução com os outros parceiros que nem sempre têm exatamente os mesmo os interesses dele. Então essa conversa com empresa, que estamos ajudando a fazer, porque a empresa tem uma forma de trabalhar, uma forma de ver e eles têm uma outra forma de trabalhar e outra forma de olhar para a região deles. Então tem que ter um apoio para que eles consigam conversar e não chegar a ter alguma desavença, algum mal-entendido. O principal que estamos tentando fazer é que não aconteça mal-entendidos, já tentando pensar juntos e prevê algumas visões diferentes. Porque não é um problema, só existem formas diferentes de trabalhar, o tempo é diferente, que é o principal. Geralmente as empresas têm um tempo e a comunidade tem outra.
Márcio
Imagino que você tenha muito trabalho de articulação e de facilitação. E você também falou no material da inscrição na jornada sobre um conflito dentro da própria comunidade. Você consegue explicar para a gente um pouco mais sobre este conflito?
Ivan
A comunidade são várias as pessoas, então tem pessoas dentro da comunidade que tem ideias, opções e caminhos diferentes. Então às vezes na mesma comunidade desejam estratégias e articulações diferentes. Então o que acontece um pouco na comunidade, que também acontece em várias outras, é que tem um grupo que quer trabalhar de um jeito e outro que trabalhar com uma outra coisa, ou um grupo prefere se articular e prefere ficar mais parceiro de uma entidade, o outro prefere de outra. Então a gente vai tentando ajudá-los a lidar com isso, porque a gente é um parceiro que está lá, nós temos essa obrigação de estar fazendo a gestão da floresta nacional do Amapá e uma parte dela também é território da comunidade, e na verdade eles são inclusive os beneficiários, a unidade é para eles poderem fazer o extrativismo, fazer o uso do território para melhorar a qualidade de vida deles, o turismo, por exemplo é uma dessas alternativas. E tem vários grupos, por exemplo, tem pessoas que estão mais ligadas à agricultura, tem outras pessoas também ligadas à pesca. E para desenvolver isso tem visões diferentes, alternativas diferentes, então às vezes acontece de um grupo preferir trabalhar mais com turismo, ou trabalhar mais com a parte de extração, outros já querem tentar articular outros benefícios para a comunidade. Exemplo, queriam fazer uma articulação para trazer energia solar. Então o que aconteceu nessa comunidade é que tem dois grupos que estavam conseguindo trabalhar juntos e agora eles se dividiram e decidiram trabalhar mais separados. Então como a princípio a gente é um parceiro mais neutro, porque a gente é o estado, fazemos parte do Estado e temos que fornecer o serviço para todos da comunidade. Então temos que ter esse cuidado, pois estamos trabalhando com dois grupos que agora neste momento estão um pouco mais separados, que pode ser que no futuro percebam que querem se juntar ou não. Tem que ter uma certa sensibilidade, porque a comunidade é autônoma, ela tem a própria forma de se organizar e ela percebe o que para ela é melhor. Então se esses dois grupos agora estão percebendo que é melhor ficar um pouco mais separados, a gente tem que respeitar a decisão deles e tem que saber lidar com isso e fazer o nosso trabalho e ajudar eles ainda alcançar os desafios deles sem perder o nosso objetivo que é a conservação e o apoio à comunidade do território.
Márcio
Você falou da sensibilidade do trabalho que vocês têm ali no dia a dia, mas tem essa questão institucional também. Qual é o papel do ICMBio na mediação dos conflitos? O ICMBio se vê de que forma? Ele atua de qual maneira institucionalmente?
Ivan
A gente tem uma linha no ICMBio, que inclusive já veio do Ibama, que é a ideia de gestão pública ambiental. Então nós somos um órgão do Estado que está fazendo a gestão pública ambiental. E sabemos que em relação a apresentar acesso a recursos ou ao caminho ambiental tem vários grupos e que cada grupo tem uma ideia diferente ou que tem um desejo diferente de como utilizar aquele território, aquele recurso. O ICMBio tem o papel de fazer essa mediação, mas tem o seu próprio objetivo, que é a preservação ambiental e o desenvolvimento socioambiental. Inclusive nossa missão tem essas duas coisas bem fortes. Tanta parte da conservação ambiental, que geralmente ligamos com a natureza, mas tem a parte do movimento social, então nós temos que trabalhar essas duas coisas. O que a gente tenta fazer é: Não perdendo a nossa missão, a gente tem que tentar mediar para encontrar caminhos que funcionem para toda a sociedade, mas também a sociedade não é igual, então a gente também tenta apoiar, por exemplo: essa floresta nacional do Amapá tem uma comunidade tradicional, que tem o benefício do território, então de certa forma a gestão é para ela mais fortemente do que para outras populações, outras pessoas ou de setores que estão ali. Então a gente tem que dar um certo olhar mais focado nelas porque a nossa missão também é ajudar eles a melhorar a qualidade de vida e desenvolverem da forma que eles preferirem. Precisamos ter uma sensibilidade e manter nossa missão, nosso papel é mediar de tal forma que eles consigam melhorar a qualidade de vida de uma forma sustentável e ainda assim a gente consiga fazer a missão da Flona que é conservar, mas também apoiar o uso múltiplo da floresta. Então a exploração madeireira, a exploração não madeireira, tanto empresarial como comunitária, turismo tudo isso está na missão do ICMBio.
Márcio
O nosso podcast faz parte da jornada PQPS! que conversa hoje com Ivan Vasconcelos do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade o ICMBio. Ivan acabamos focando muito na gestão de conflitos, a gente sempre vai associando os casos das organizações, com quem a gente vai conversando, com os conceitos de gestão de projetos. E tem poucos conceitos tão fortes em gestão de projetos com essa de gestão de conflito que é muito presente em projetos de uma maneira geral e no seu trabalho imagino que seja bem isso. Então eu quero seguir neste ponto. A gente falou da questão da sensibilidade, da questão institucional e o que pergunto é: O seu papel pessoal como gestor nessas mediações e na gestão de pessoas e conflitos, você tem metodologias, ferramentas, caso a caso na conversa diária. Como é que você trabalha?
Ivan
Especialmente no ICMBio ele tem um trabalho de gestão de conflitos já antigo, porque é parte do nosso trabalho. Inclusive o ICMBio tem um curso de gestão de conflitos, que está dentro de um curso maior que a gente chama de gestão socioambiental, então a gente tenta trazer ferramentas para gestão de conflitos, que tem que ter gestão de desconfiados territoriais para acesso. Mas a gente sempre utiliza várias metodologias, várias abordagens. Uma abordagem que temos também é com os parceiros, porque a gente também tem um interesse na região do território que é atingir os objetivos da Flona, da conservação. Então às vezes precisamos chamar um parceiro, uma pessoa externa para nos ajudar com o conflito. Então, por exemplo, ONG ‘s que fizeram muito bem esse papel de mediador. Chegamos a contratar um profissional de mediação de conflitos para nos ajudar a analisar. Por exemplo: tivemos um encontro para analisar algumas partes para gente poder tomar uma decisão mais esclarecida e prevendo ou pelo menos tendo uma noção melhor do futuro, de onde a gente quer atingir. Meu trabalho dentro da equipe é tentar trazer os conceitos de conflito e ajudar a equipe como um todo a tomar decisões. Porque eu faço esse papel, mas a gente tenta tomar as decisões como equipe. E tem outros colegas, por exemplo, que tem uma relação mais próxima com algumas pessoas, então também conseguem entender por dentro melhor em conversas o que está acontecendo, para a gente conseguir informações de várias pessoas e de várias áreas.
Márcio
Para terminar Ivan a gente sempre provoca uma reflexão junto com a pessoa entrevistada e inverte a posição da pessoa entrevistada. Se as pessoas da nossa audiência pudessem te ajudar em um desafio do seu trabalho, que pergunta você faria para que ela te respondesse?
Ivan
Eu acho que uma coisa que é muito forte no nosso trabalho é como fazer esse trabalho de apoio à comunidade, como lidar com esse nosso papel de fomentar e de ter esse objetivo de chegar a um desenvolvimento sustentável que tenha a melhora da qualidade de vida e também tenha uma atividade sustentável, mas respeitando o protagonismo das comunidades, respeitando que eles também são donos de si e do seu território. Então que a gente consiga apoiar sem desrespeitar. eu acho que é uma das principais questões que fica o tempo todo na minha cabeça, que é tentar dar esse apoio sem chegar afetar o protagonismo e autonomia delas. Elas sabem o que querem e a gente está tentando dar um apoio para atingir esse objetivo.
Márcio
ivan muito obrigado por trazer esse material e por compartilhar com a jornada PQPS! o registro do seu trabalho no campo socioambiental brasileiro de 2020 em um contexto tão interessante e ao mesmo tempo tão desafiador como é trabalhar numa autarquia ligada ao Ministério.
Ivan
Muito obrigado também. É bom sempre ter essas perguntas para voltarmos a refletir. Esse ano foi super desafiante para a gente. Até o trabalho do turismo deu uma parada, mas isso ajuda a gente a refletir sobre o que está acontecendo. E também estou com bastante expectativa sobre a jornada, porque pouco que a gente já teve contato parece que é bem rico. São pessoas com várias experiências, por exemplo, a gente que está no governo às vezes falta um pouco de conhecimento de outras áreas, entender como é que eles enxergam as coisas, do que precisam para a gente poder se articular melhor ou entender o nosso papel frente a esses desafios e aos projetos.
Márcio
Maravilha. A gente fica por aqui e a jornada PQPS, Perguntas e Questionamentos sobre Projetos Socioambientais continua nos nossos outros podcasts deste ciclo. Logo mais tem mais. Até!
Você ouviu PQPS perguntas e questionamentos sobre projetos socioambientais, uma conversa aberta com quem trabalha com projetos no tempo de desenvolvimento socioambiental parceiros operacionais Aupa e Ponte a Ponte. Apoio financeiro Instituto de cidadania Empresarial. Realização Rede Tekoha acesse mais conteúdos sobre as jornadas PQPS em www.aupa.com.br/pqps.
Transcrito por Cristina Cordeiro.