Entrevista com Marcel Camargo, diretor executivo do Centro de Assistência e Desenvolvimento Integral, o CADI, que atua em diversas regiões de vulnerabilidade social no Brasil. Durante a conversa, o Marcel conta para a gente sobre como é o processo de escolha de atuar em determinada região e sobre como estão construindo um modelo de franquia social.
Este é um episódio de uma série de casos gravados a partir dos desafios que gestores de projetos de negócios socioambientais brasileiros vivenciam nas suas instituições. Estes gestores compartilharam seus desafios na Jornada PQPS! discutindo suas Perguntas e Questionamentos sobre Projetos Socioambientais.
Estes casos foram desenvolvidos e gravados pela equipe da Rede Tekoha. Apoiou na produção dos podcasts a Aupa; na seleção dos casos a ponteAponte, e os recursos vieram da chamada Elos de Impacto realizada pelo ICE.
Transcrição do episódio
Apresentação
Rede Tekoha e Instituto de cidadania empresarial apresentam:
PQPS Perguntas e Questionamentos Sobre Projetos Socioambientais. Uma conversa aberta com quem trabalha com projetos no campo de desenvolvimento socioambiental.
Márcio
Bom dia, boa tarde, boa noite.
Seja muito bem-vinda, seja muito bem-vindo para a nossa conversa de hoje na jornada PQPS, Perguntas e Questionamentos sobre Projetos Socioambientais. Eu sou o Márcio Pires, falando pela Rede Tekoha, e esta conversa é parte de uma série de papos com quem atua na gestão de projetos socioambientais no Brasil neste ano tão desafiador que é 2020.
Nós mergulhamos nas vivências de quem faz acontecer o campo de desenvolvimento socioambiental e a nossa conversa hoje é com o Marcel Lins Camargo, que atua como diretor executivo do Centro de Assistência e Desenvolvimento Integral, o CADI, que é uma coalizão de organizações cristãs que busca facilitar o desenvolvimento integral de pessoas e famílias em contexto de vulnerabilidade social. O CADI foi criado em 1994 em Curitiba, Paraná, hoje atua em seis cidades do Brasil, em cinco estados diferentes. E é sobre este processo de expansão pelo qual o CADI passa que vamos conversar hoje.
Marcel, em primeiro lugar obrigado pela sua presença, não física , mas pela sua presença e principalmente por compartilhar com a gente o seu trabalho.
Marcel
Estamos juntos.
Márcio
Marcel você comentou no material que você enviou para gente, que as regiões em que o CADI atua são sempre áreas reconhecidas pela vulnerabilidade social, por terem tantos projetos espalhados em vários locais, como é que ocorre a decisão de vocês e quais projetos fazer ou não?
Marcel
Primeiro bom dia, boa noite, boa tarde, não sei horas você não vai estar ouvindo a gente aqui, e sempre um prazer estar conversando e compartilhando um pouco mais do que a gente tem feito nos últimos anos. O CADI tem uma metodologia de expansão um pouco diferenciada. Nós somos uma organização de pequeno e médio porte, não temos orçamentos milionários que a porta dinheiro em parceiros localizado em determinadas regiões específicas. Então o que acontece o seguinte, a gente executa a implantação de uma unidade do CADI no modo orgânico.
Se nesses contextos existem empreendedores sociais cristãos, que compartilham nossos valores e nossas ideias, dispostas a empreender alguma tua ação de desenvolvimento e precisão do suporte técnico de consultoria e do aconselhamento para área de desenvolvimento do CADI, aí a gente se “aliancia” a esses empreendedores e dá o suporte que a gente consegue oferecer. Então acaba acontecendo um pouco organicamente. Porque que a gente está em Aratuba que é uma região próxima do Sertão do Ceará e não no Piauí, por exemplo, não é necessariamente que o IDH de Aratuba é pior do que a região do Piauí. É porque lá no município de Aratuba um grupo de empreendedores conheceram CADI e resolveram replicar nossa visão e missão no atendimento à população deles. Entendeu? Agora como CADI já está há mais de duas décadas operando nesta temática de desenvolvimento para comunidades pobres, naturalmente a gente atrai empreendedores que desejam executar os projetos em contextos de pobreza, por questões óbvias. Então a coisa acontece organicamente.
Márcio
Legal. E aí acho que já dá para fazer um link com a próxima pergunta. Como é o processo de organização de vocês? Tem alguma centralização na atividade nos diferentes CADIS? Eles respondem a um CADI central? Como é que vocês organizam isto?
Marcel
É bastante flexível. Como a gente não tem recurso financeiro disponível para impor ou empreender junto com o parceiro em determinadas em iniciativas, a gente tem um escritório que lidera, o nosso papel é mais de um consultor, entendeu? Um consultor e um guardião do DNA do CADI da visão e da missão. Então a gente acompanha, monitora e oferece aconselhamento para as lideranças locais que estão atendendo nos municípios, E aí eles executam a partir de diretrizes básicas; nós temos um conjunto de políticas orientadoras básicas a respeito de temas importantes para a gente. Como defesa de direitos, proteção à criança e adolescente, compromisso Cristão, mobilização de recursos. São documentos que nós construímos e a gente acompanha a aplicação desses documentos com as nossas unidades, mas é assim bem flexível, não tem controle central rígido.
A gente quer que as nossas lideranças sejam inspiradas pela nossa equipe da sede a empreender conforme a realidade de seu contexto. Então é bem, é bem flexível a palavra flexível é a correta de dizer. Então a gente está no meio termo, nós não exercemos um controle rígido, mas ao mesmo tempo a gente acompanha e orienta a seguir determinadas diretrizes pré-estabelecidas acordada entre todo mundo. É como se fosse uma coalisão mesmo.
Márcio
E você sabe que vou até fazer um parêntese aqui. Eu estava notando quando a gente estava conversando, no seu perfil do WhatsApp você tem uma frase que eu gostei muito que assim: “nós não cuidamos de crianças, nós estamos transformando o mundo”. E eu achei muito feliz a frase porque ela mostra, pelo menos mostrou para mim, a ponte que vocês enxergam entre o trabalho tático e operacional que feito pelos CADIS pelo Brasil a fora, e essa visão de longo prazo que vocês têm na sede, vamos dizer assim. Por isso pergunto também, como é que é a integração dos projetos das áreas com os objetivos estratégicos da organização?
Marcel
É um desafio, porque é o seguinte cada unidade o CADI, ela tem a sua ênfase é claro que a gente tem uma declaração de visão e missão comum. É um conjunto de objetivos minimamente declaráveis e publicados. E aí cada unidade empreende em torno perseguindo alcançar e cumprir a declaração de visão e missão, mas assim cada unidade tem seu ritmo, tem unidade que tem mais estrutura outro menos. Somos 6 unidades espalhadas. Então tem umas que são bem pequenas, muito pequenas e não conseguem empreender, não tem recurso para fazer grandes projetos. Essa é a vocação do CADI, é aportar suporte para pequenas iniciativas e médias iniciativa. Então a integração ela é bastante.., cara, a gente tem formato de reuniões os documentos sistematizados, a gente não tem um sistema informatizado de gestão, como grandes organizações tem que me permite saber em tempo real se o Joãozinho do Sertão está sendo atendido agora com o mesmo projeto que a Mariazinha de Florianópolis na região de Palhoça, município de Palhoça também recebe. Não tem esse nível de integração a gente não consegue. Então o nosso esforço é aplicar o conjunto de rotinas de relacionamento e monitoramento com as lideranças aponta. É um trabalhão, um trabalhão, porque são várias reuniões, e-mails, telefonemas, é bastante forçoso. Inclusive a nossa intenção de participar de um programa como o de vocês é tentar com construir mecanismos criativos, considerando o ambiente de escassez para gente melhorar o upload nosso com as unidades do CADI com os nossos lideres.
Márcio
Lembrando que este podcast faz parte da jornada PQPS, que hoje recebe o Marcel Lins Camargo, Centro de Assistência e Desenvolvimento Integral, o CADI. Nos nossos encontros da jornada PQPS a gente sempre tenta amarrar a prática das organizações com a teoria de gestão de projetos, incluindo conceitos como programas e portfólios. E aí mesmo com essa questão que você está dizendo de que tem uma flexibilidade, de que vocês têm um trabalho orgânico, eu te perguntou assim, como que os projetos implementados por todos os CADIS são agrupados de alguma forma? Vocês têm alguma subdivisão entre os projetos? Como que os projetos vão se alinhando um com os outros?
Marcel
O core do portfólio do CADI usando a linguagem de PMDPro, etc. É a temática de criança, adolescente, família. Claro que é uma temática ampla, mas assim isso já restringe bastante a características das nossas iniciativas. Então a gente construiu uma política de diretrizes programáticas, só para você ter uma noção. Esse é o documento estratégico da organização que orienta cada unidade nossa a partir deste documento a empreender seus projetos locais, Então é esse documento que dá a característica principal dos nossos portfólios, usando essa linguagem. Agora a gente não tem como eu te disse toda condição do mundo de estabelecer um portfólio unificado, totalmente integralizado para todo mundo. Que se desdobra em projetos similares para todo mundo.
A gente tem mais uma pegada de inspirar a partir dessas diretrizes mínimas, e o nome desse documento são diretrizes programáticas, de modo que cada unidade ela sabe qual é a área que ela deve enfatizar e qual área a gente não investe, por exemplo: nenhuma unidade do CADI vai ter projeto relacionado acolhimento de criança, adolescente ou acolhimento de população de rua, por que não faz parte do Cor do portfólio do CADI, isto tem a ver com a nossa identidade. A minha ênfase, Eu como o diretor executivo eu tenho desenvolvida essa pegada é assim, o desafio né você descobriu que que você vai fazer a temática da pobreza tudo, na temática da pobreza, tudo é relevante. É relevante trabalhar com alfabetização de adultos, claro que é relevante. É relevante trabalhar com acolhimento de população dependente química, claro que é relevante, mas disso tudo que tem a ver com grande espectro de atuação do campo de desenvolvimento. O que é que o CADI tem que fazer? Logo esforço nosso é a gente descobriu que a gente não tem que fazer.
Ao longo dos anos a gente se bateu bastante em discussões estratégicas e quais são as temáticas e qual a área que a gente vai abraçar e focar para os próximos anos, e coisas que a gente não vai se meter, que não tem a ver com o cor da organização Então nesse sentido a gente tem um DNA estratégico que tem a ver com o cor do nosso portfólio, que inspira as discussões e implantação dos novos projetos. Tudo tem a ver com criança, adolescente e família na temática da política nacional da Assistência Social atenção básica, a gente empreende. O ano que vem a gente ter um foco maior para educação e ok. Então outras áreas, a gente simplesmente não vai atender, entendeu? Então essa é a maneira que a gente discute com as nossas equipes qual é o principal cor dos projetos que a gente vai ter e vai se desenvolver. Essa discussão ela é iniciada com a nossa equipe nacional, qual é o cor do portfólio para os nossos anos. A gente inicia ela e discute com o restante da liderança, e aí monitora como é que isso vai ser desenvolvido nas unidades ao longo do tempo.
Márcio
Eu quero saber de você: os gestores e as equipes das áreas, como eles se relacionam com você neste cotidiano, ainda mais com as distância físicas e as diferentes realidades?
Marcel
Do jeito que eu acredito que 99% das organizações e empresas do Brasil tem feito atualmente, telefone e internet, é simples. E as pessoas têm acesso direto a mim, como o CADI não é uma organização, a nossa cultura ela é mais a cultura de gestão das pessoas e da própria organização, ela flerta mais com o ambiente de rede. Então a gente é bastante horizontalizado, então as pessoas tem direto acesso comigo eu não tenho assessor que vai anotar a minha liderança, se o coordenador da unidade do município em Palhoça quer falar com Marcel, ele me liga, ele tem o telefone direto. Não tem crise nenhuma em relações a isso. Não precisa agendar nada. Então a gente constrói intencionalmente um espaço bastante direto de relacionamento com as lideranças com a galera trabalha com a gente. Até porque Márcio, é o que a gente tem, entendeu? Se não se não for assim não tem nada. Se as pessoas não poderem falar comigo, então não tem nada. Não tenho dinheiro, não tem um orçamento milionário, não temos nenhum outro grande recurso. O que a gente tem é a capacidade de inspirar as pessoas a entregar o melhor que elas têm para resolver os problemas, gerar solução, criar valor nos seus contextos de vulnerabilidade social. É isso que a gente tem. Se nem isso a gente consegue fazer, então para tudo e vai fazer outra coisa, entendeu?
Márcio
Isso aí dá para a gente ligar com outra questão que você levantou no seu material, essa questão da comunicação entre os gestores e entre as equipes. Você falou de transformar o modelo de gestão nos moldes de franquia social. O que você quer dizer com isso?
Marcel
Há muito tempo atrás a gente abriu uma unidade do CADI em um outro município, e a gente percebeu que tinha muitas pessoas, igrejas e outras ONGs de pequeno, médio porte, perguntando: como que a gente faz para ser CADI? Como ter um CADI do meu Município? E aí a gente percebeu que a gente precisava ter um mínimo de instrumentos de gestão que assegurasse a identidade da organização, o DNA da organização. Por isso que a gente na falta de um nome, quem faz isso nas organizações, qual que é o nome se dá para isso? Considerando que eu não vou ser dono daquela iniciativa. Eu não sou dono, eu não sou acionista controlador daquela filial. Então na falta de um nome a gente pensou porque não operar em uma espécie de um modelo de franquia, Na época eu estava no Paraná a gente juntou a liderança que tinha de outros municípios e discutimos bastante sobre isso, a gente discutiu 3 ou 4 anos ao longo de encontros que a gente fazia anualmente sobre como poderia ser o modelo de negócio do CADI para gente assegurar uma expansão de maneira que a gente não pertence à cultura da organização, então daí saiu a ideia de fazer uma espécie de franquia, o que significa isso? Nós construímos então documentos basilares, que são as nossas políticas orientadora são documentos mesmo, uma espécie de constituição sobre os principais temas, os eixos principais da nossa organização.
Quando tem um grupo de empreendedores interessados, a gente tem um processo mínimo que é executar o diagnóstico da comunidade, a gente não quer nenhuma das nossas iniciativas sejam implantadas sem ter conhecimento do território, saber as necessidades do território a partir do ponto de vista da população que está naquele território, então a gente executa o diagnóstico comunitário, capacita a liderança e a eventual equipe operacional, em uma formação que o CADI tem, e aí sim ,a gente tem condição de dar o sinal verde para dar início ao estudo de viabilidade implantação. Lembrando que não tem dinheiro envolvido, Então é um esforço mutuo, o parceiro tem querer mesmo fazer isso, e o CADI tem que querer mesmo acompanhante, porque dá trabalho, é mais trabalho do que outra coisa. O nome disso tudo que a gente deu é franquia social. Todas as unidades que a gente, mais recentes, no Rio de Janeiro principalmente é uma das mais recentes, a gente fez nesse procedimento, fizemos o diagnóstico a partir do diagnóstico a liderança local estruturou um projeto iniciante, um projeto semente para dar início à atividade local.
Márcio
Maravilha. Marcel a gente está terminando a conversa e na jornada PQPS a gente sempre inverte a última pergunta, a gente pede para que você pergunte para quem está te ouvindo agora, se pudesse ter uma responda sobre alguns dos desafios do seu trabalho, que questão que você deixa para o pessoal que está escutando a gente?
Marcel
A questão que eu deixo tem a ver com a pergunta que eu pedi para vocês do PQPS. Como é que eu posso refinar o meu sistema de gestão nesse contexto que a gente tem, que todo mundo está inserido, de pandemia de gestão de pessoas e organizações a distância, no contexto de pouca gente, pouco dinheiro e pouco tempo. Me dê ideias pessoal com um modelo de gestão excelente nesse tripé, pouca gente, pouco tem e pouco dinheiro eu estou ávido para ouvir ideias inspiradoras para me ajudar. Eu acho que seu desafio comum a várias organizações.
Márcio
Era isso que eu ia te falar, estamos todos ávidos soluções que nos apoiam nessa busca que você levantou, acho que vai ser uma discussão bem rica que a gente vai ter a partir da sua pergunta. Marcel, brigadão por trazer o seu caso, por compartilhar com a jornada PQPS esse registro do que é trabalhar no campo socioambiental brasileiro, neste ano tão atípico.
Marcel
Estamos juntos, obrigado vocês pela oportunidade e isso a gente se ver em breve, a gente se fala mais uma vez em greve.
Márcio
É isso aí, gente. A conversa fica por aqui e a jornada PQPS, Perguntas e Questionamentos sobre Projetos Socioambientais continua nos nossos outros podcasts deste ciclo. Logo mais tem mais. Até!
Você ouviu PQPS perguntas e questionamentos sobre projetos socioambientais, uma conversa aberta com quem trabalha com projetos no tempo de desenvolvimento socioambiental parceiros operacionais Aupa e Ponte a Ponte. Apoio financeiro Instituto de cidadania Empresarial. Realização Rede Tekoha acesse mais conteúdos sobre as jornadas PQPS em www.aupa.com.br/pqps.
Transcrito por Cristina Cordeiro.