Neste ano, replicamos publicações sobre o direito à cidade que o grupo de estudos do qual a Morgana Krieger participa tem realizado no Blog do Jornal Estadão, “Gestão Política & Sociedade: como a conjuntura do país afeta o ambiente público e empresarial”.
Alguns dos artigos podem ser lidos aqui no blog da Tekoha, ou no próprio Estadão. Para quem não acompanhou os posts, seguem os links:
“Saudosa maloca”: as remoções durante o período de pandemia
Desigualdade urbana e redes de solidariedade: as periferias e favelas no enfrentamento à pandemia
CPFs negros importam? Racismo estrutural e políticas públicas no contexto da COVID-19
Ocupações Cortiços e a Pandemia: Entre a Criminalização e a Solidariedade
A Morgana Krieger é doutora em Administração Pública e Governo pela FGV EAESP e pesquisadora associada do CEAPG (Centro de Estudos em Administração Pública e Governo). Ela tem como uma das suas linhas de pesquisa o direito à cidade. Na sua tese do doutorado, que recebeu o Prêmio FGV Pesquisa 2020 de melhor tese, ela analisou como os conflitos em ambientes urbanos podem fortalecer o direito à cidade. Para acessar a tese na íntegra (em inglês), basta acessar: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/29058
Dentro deste contexto, a gente resolveu escrever um post apresentando reflexões e trazendo um pouco da construção teórica sobre o que é o direito à cidade e por quê o assunto é tão relevante nos tempos de hoje. Vamos lá?
Contextualizando sobre o Direito à Cidade
Normalmente, o tema é de muita relevância. Em meio a uma crise sanitária que afeta especialmente quem vive nos grandes centros urbanos, a discussão sobre o direito à cidade se ampliou, e o termo que já estava em crescente uso, ficou ainda mais recorrente.
Dados recentes da ONU (2018) apontam que a América Latina alcançou 81% de população urbana. Obviamente, o conceito do que é “urbano” pode ser questionado. No entanto, vale ressaltar que 45% da população latino americana vive em áreas urbanas com mais de um milhão de habitantes. Ainda, a população que vive em áreas consideradas assentamentos subnormais alcança 27% da população urbana (dados de 2008, levando à possibilidade de que este número tenha aumentado nos últimos anos).
Considerando a terra produtiva da América Latina, em 2016 a OXFAM publicou um dado alarmante: mais da metade das terras produtivas pertencem a 1% dos proprietários, sendo que Paraguai, Chile, Colômbia, Venezuela e Brasil são os países mais desiguais nesta distribuição. Na Colômbia, 67% das terras produtivas está concentrada em 0,4% dos proprietários, enquanto 80% dos pequenos produtores e proprietários têm menos de 4% da terra. Os dados sobre a terra produtiva no Brasil também são alarmantes, mas aqui queremos voltar pro aspecto urbano: uma análise dos dados do IPTU em São Paulo demonstrou que 45% dos imóveis da cidade de São Paulo estão concentrados em 1% dos proprietários da cidade.
E porque isto é sério? Imagine uma parcela muito pequena de pessoas podendo controlar preços de imóveis e o que fazer com estes imóveis (ou terras, no caso das terras produtivas). Imagine também que esta diminuta parcela da população deve ter poder suficiente para influenciar as grandes obras públicas, para direcionar recursos públicos para as áreas que mais lhes convêm, e até para influenciar as tomadas de decisão no poder judiciário.
Direito à cidade e a pandemia
Mas porque a temática do direito à cidade fica ainda mais premente durante a pandemia? Antes já era visível que a desigualdade urbana acarreta em impactos diretos para a vida dos seres humanos. Por exemplo: o Mapa da Desigualdade da Rede Nossa São Paulo aponta que a expectativa de vida de alguém que nasce e vive no distrito de Alto de Pinheiros tem uma expectativa de vida de 79,67 anos, enquanto quem nasce e vive em Cidade Tiradentes vive, em média, somente 53,85 anos. São quase 25 anos de diferença no índice de expectativa de vida para pessoas que moram na mesma cidade!
A pandemia, no entanto, escancarou estes fatos demonstrando que: os índices de mortalidade e contágio são maiores nas áreas mais pobres das cidades; estas pessoas dificilmente conseguem fazer isolamento social porque moram em casas muito adensadas e também porque seus ganhos não lhes permitem ter uma poupança; que, para trabalhar nas áreas centrais da cidade, estas pessoas pegam transportes coletivos apinhados de gente, impossibilitando fazer isolamento; que existe um número imenso de população em situação de rua que sequer tem casa para se isolar e que – apesar da pressão dos movimentos sociais nos últimos anos – não tem acesso a banheiro ou a água corrente para manter as condições básicas de higiene.
O acesso à terra e à moradia digna são elementos essenciais para a diminuição da desigualdade no nosso país. Nos próximos posts desta série sobre direito à cidade, traremos o conceito do termo e mergulharemos no debate sobre o direito à cidade no Brasil. Continue acompanhando e até a próxima!